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Tribunal de Contas faz auditoria e desmente o Governo: não se deixe enganar

Por Júlio Marcelo de Oliveira – procurador do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas da União.

O Tribunal de Contas da União acaba de concluir um trabalho de vital importância para o país, especialmente em meio às acaloradas polêmicas em torno da necessidade ou não de uma reforma da Previdência, na qual as aposentadorias dos servidores públicos, especialmente do Legislativo e do Judiciário, são normalmente apontadas como as principais causas do grande déficit da Previdência.

Trata-se do relatório de auditoria produzido no Processo TC-001.040/2017-0, publicado na sessão de 21 de junho, um detalhado diagnóstico dos números da Previdência, incluindo o regime geral, os regimes próprios de servidores da União e as despesas previdenciárias dos militares custeados pela União.

Com esse trabalho, o órgão federal de controle externo prestou relevante serviço ao debate público, pois apresenta os números passados e projetados, sem tomar nenhuma posição a favor ou contra qualquer iniciativa de reforma. Oferece subsídios técnicos isentos à discussão, sem estar vinculado a nenhum dos lados em disputa. A discussão compete ao parlamento e à sociedade.

O levantamento do TCU revelou que, em 2016, a Previdência acumulou resultado negativo de R$ 226,9 bilhões, com crescimento de 54% no período de 2007 a 2016, e que, nesse mesmo período, as despesas da Previdência em proporção ao PIB passaram de 8,74% para 9,87%, com valor projetado de 20% do PIB em 2060, se não houver reforma.

O relatório permite observar a questão da Previdência por dois ângulos complementares: o da sustentabilidade ao longo do tempo e o da justiça social. 

Quanto ao aspecto da sustentabilidade, os números colhidos pelo TCU não deixam dúvidas de que o problema central de financiamento da Previdência está no regime geral, cujo déficit tem tido crescimento explosivo, em razão, sobretudo, do envelhecimento da população. O percentual de idosos na sociedade está em rápida elevação, e a relação entre trabalhadores ativos e inativos está reduzindo aceleradamente. Rever a idade mínima para aposentadoria é, portanto, o pilar central da necessária reforma. Países muito mais ricos do que nós não aposentam seus trabalhadores precocemente. Como é que nós, de um país ainda pobre, podemos nos dar ao luxo de aposentar nossos trabalhadores tão precocemente?

Já os regimes previdenciários dos servidores públicos civis e militares da União não apresentam trajetórias de crescimento em relação ao PIB, tanto em relação aos valores passados quanto em relação aos projetados. Ao contrário, apresentam trajetórias de declínio lento e gradual, a indicar que as duas reformas já realizadas estancaram pelo menos o crescimento do déficit. O problema central com esses regimes está em um sentimento de injustiça que causam, quando comparados os valores per capita dos benefícios.

No caso dos militares, há ainda as agravantes da idade extremamente precoce com que ocorrem as reformas (em torno de 49 anos) e da anacrônica e injustificável pensão deixada à filha maior solteira, tratada como se inválida fosse, benefício que 30% dos integrantes das Forças Armadas ainda podem deixar. Esses pontos precisam ser revistos com urgência, até para que o país, gastando menos com isso, possa remunerar melhor os membros das Forças Armadas.

Quanto ao sentimento de injustiça difundido com base nos valores finais dos benefícios, há que se esclarecer que, no caso dos servidores civis, sua contribuição é de 11% sobre o valor total bruto de sua remuneração, ao passo que, no regime geral, essa contribuição varia de 8% a 11% sobre o teto de R$ 5.531,31 (valores de 2017).

Assim, se um servidor público tiver remuneração bruta de R$ 20 mil, ele contribuirá com R$ 2.200 para custear sua previdência, ao passo que o trabalhador da iniciativa privada que tiver salário bruto igual contribuirá com R$ 608,44. Nesse exemplo, portanto, a contribuição do servidor público é mais que o triplo da contribuição do empregado privado. É natural, portanto, que o benefício pago ao servidor público possa ser superior ao do empregado do regime geral.

Além disso, não se deve esquecer que o trabalhador privado recebe ainda mensalmente o depósito de 8% de sua remuneração bruta em sua conta individual do FGTS, valor que ele poderá sacar em vários momentos de sua vida definidos em lei, um deles no ato de aposentadoria. Esse é um benefício que o servidor público, civil ou militar não tem.

Há que se esclarecer, ainda, que o déficit do regime próprio dos servidores da União está em mais de 90% no Poder Executivo. No Judiciário federal e no Ministério Público, há mesmo órgãos sem déficit algum, em razão de as carreiras terem se expandido recentemente, com o ingresso de integrantes jovens. Por isso, há muitos servidores ativos contribuindo, em comparação com o número de aposentados. É o caso do MPF, por exemplo. Isso não quer dizer que não se deva olhar para o futuro e tomar desde já as medidas corretivas que se mostrarem necessárias, afinal, todos esses servidores ativos envelhecerão e se aposentarão em algum momento.

Por isso, muitos defensores da reforma previdenciária argumentam que a mudança da idade mínima para aposentadorias já seria suficiente para produzir, nos regimes próprios, o ajuste requerido pela evolução demográfica da população, estabilizando a relação entre ativos e inativos, sem necessidade de descaracterizar o regime de garantias conferidas a servidores que desempenham importantes papéis para a sociedade.

Sobre esse aspecto, uma questão importante que não se colocou em debate até o momento é se esse regime de previdência deveria existir para todos os servidores públicos ou para apenas algumas carreiras típicas de Estado, responsáveis por atividades de polícia, fiscalização e segurança, que têm no seu regime de aposentadoria importante atrativo para a carreira e incentivo em nela permanecer, considerando todos os enfrentamentos políticos, econômicos e, muitas vezes, físicos, que estes servidores tem de fazer, às vezes com risco para a própria vida ou de sua família.

O fim do regime jurídico único implantado na administração pública pela Constituição de 1988 e implementado com a Lei 8.112/90 talvez seja muito mais efetivo para tratar da questão previdenciária dos servidores públicos que uma reforma que trate todas as carreiras públicas e forma horizontal. Antes de 1988, havia dois regimes e apenas os integrantes de algumas carreiras, à época chamados de estatutários, tinham garantido um regime diferenciado de aposentadoria.

Aliás, a origem do déficit do regime próprio de previdência dos servidores públicos civis é justamente a desastrada implantação do regime jurídico único que transferiu do regime geral para o regime próprio uma imensa massa de empregados públicos, que passaram a condição de servidores públicos, sem nunca terem contribuído para tal e sem nenhuma regra de carência tanto para esses servidores ex-celetistas como para os novos ingressos no serviço público.

Naquele momento, era possível alguém fazer concurso público, tomar posse e, se já tivesse tempo de contribuição suficiente, pedir aposentadoria integral com menos de um mês de serviço público, sem nunca ter contribuído para esse regime! Era óbvio que isso era insustentável. As reformas anteriores da Previdência, contudo, já estabeleceram requisitos de tempo de serviço público, tempo na carreira e tempo mínimo no cargo que resolveram essas deficiências, de modo que, apartada essa massa inicial atuarialmente insustentável, a dinâmica atual de contribuições, ingressos e aposentadorias já não é geradora de déficit. Ao contrário, o déficit tem-se reduzido ano a ano, como demonstra o levantamento feito pelo TCU.

Daí porque alguns defendem com razoabilidade que o estabelecimento de nova idade mínima, alinhada com a mudança da estrutura demográfica brasileira e observada regra de transição proporcional ao tempo já cumprido, seja suficiente para atualizar o modelo de previdência dos servidores públicos, sem retirar atratividade de carreiras estratégicas para o Estado.

Essa mudança da idade mínima, aliada ao fim do Regime Jurídico Único será ainda mais importante para estados e municípios. Os regimes próprios de previdência desses entes já apresentam sérios problemas de gestão e os montantes capitalizados serão cedo ou tarde alvo de desvios, autorizados ou não por leis estaduais e municipais.

Em conclusão, uma reforma da Previdência é absolutamente necessária para fazer face à acelerada evolução demográfica brasileira. O crescimento das despesas da Previdência em proporção ao PIB, tanto o passado como o projetado, não deixa margem a dúvida. Mesmo que não houvesse déficit hoje, a reforma se imporia como medida de responsabilidade com as gerações futuras. Há que se ter o diagnóstico correto, entretanto, para que as alterações feitas sejam as necessárias para equilibrar essa importante função social administrada pelo Estado, sem enfraquecer atividades vitais desenvolvidas pelo Estado para a própria proteção da sociedade.

O minucioso trabalho apresentado pelo TCU é fonte de informação segura para os debates em torno desse tema e subsídio mandatório para a discussão em curso no Congresso Nacional.

Fonte: Consultor Jurídico

Leia AQUI o relatório de auditoria produzido no Processo TC-001.040/2017-0

 

Luiz Felipe Di Iorio Monte Bastos

Jornalista (MTB nº 46.736-SP) graduado pela Universidade Católica de Santos -UniSantos- e pós graduado no nível de especialização pela Fundação Cásper Líbero.

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