Filha de Oficial de Justiça relata a dor de perder o pai para a Covid-19
Cerca de 120 dias após o início do isolamento social por causa da Covid-19, o Brasil contabiliza mais de 1,8 milhões de pessoas que sofreram contágio e mais de 72 mil mortes.
“[Meu pai era…] um cara que espalhava alegria e gentileza por onde passava, amava reunir os amigos, estava sempre a postos para ajudar no que fosse preciso, cuidava da sua família de forma carinhosa e muito presente. Hoje faz 3 meses que ele se foi por essa doença que veio pra mudar muita coisa nesse mundo”, contou a Natália, filha do Oficial de Justiça João Alfredo, que contraiu a Covid-19 no período em que cumpria mandados. (Abaixo, entrevista completa com a Natália).
Ele era um dos colegas mais queridos do Fórum João Mendes Jr, como bem lembrou a presidente em exercício da AOJESP, Magali Marinho Pereira. “João Alfredo era um amigo, acima de tudo meu amigo. Pessoa solidária, querido por todos, contador de “causos”, que sempre nos divertiam e ensinavam. Oficial experiente e conhecedor do direito, assim, sempre impecável na sua função. Saudade do meu amigo”, afirmou.
João Alfredo foi um dos primeiros Oficiais de Justiça vítimas da Covid-19, mas apesar da subnotificação, acredita-se que a doença vitimou cerca de 15 Oficiais de Justiça.
Para lembrar que diversas famílias terão que conviver com essa perda, trouxemos uma entrevista com a filha do João Alfredo.
O Oficial de Justiça João Alfredo ao centro, rodeado por seus familiares. Na ponta, à direita, sua filha Natália que conversou com a equipe da AOJESP.
AOJESP: Você poderia se apresentar e falar um pouco sobre quem era o seu pai? Qual era a função dele?
NATÁLIA: Meu nome é Natália sou filha do Oficial de Justiça João Alfredo Portes, um cara que espalhava alegria e gentileza por onde passava, amava reunir os amigos, estava sempre a postos para ajudar no que fosse preciso, cuidava da sua família de forma carinhosa e muito presente. Hoje faz 3 meses que ele se foi por essa doença que veio pra mudar muita coisa nesse mundo.
Como um familiar Oficial de Justiça lida com os riscos que a profissão acarreta?
Meu pai sempre nos tranquilizava dizendo que tinha respaldo quando preciso, e muito jogo de cintura pra não se indispor mesmo com as pessoas que não o recebiam bem.
O que aconteceu com o seu pai? Como ele contraiu a doença?
Meu pai pegou a doença muito no início, ninguém falava em isolamento social por aqui, lembro dele me contando no aniversário da minha sogra, dia 12 de março, que o fórum tinha deixado os que tinham mais de 60 afastados, mas ainda não tínhamos noção do que essa doença poderia fazer nas nossas vidas. Não sabemos se ele contraiu entregando algum mandado ou no fórum, pois na época não havia restrições e tínhamos muito pouca informação.
Como foram esses momentos de apreensão? Mais pessoas da família contraíram a COVID-19?
Meu pai começou a ter sintomas dia 15 de março e já foi no hospital neste dia, mas como não tinha falta de ar a orientação era voltar pra casa sem fazer o exame, só faziam em casos graves, minha mãe a partir do dia seguinte começou a ter sintomas também, foram dias de apreensão e repouso dos dois, minha família que mora no mesmo prédio evitou contato mas meus filhos e meu marido também tiveram alguns sintomas, como febre e tosse. Além do meu pai, meu padrinho e meu sogro também foram internados alguns dias depois, pois haviam se encontrado. No dia 22 ele sentiu falta de ar e foi internado junto com a minha mãe, a partir da internação eles não puderam mais se ver, mantínhamos contato por vídeo pelo celular. Minha mãe foi melhorando e meu pai não. No dia 26 nos falamos e ele me avisou que seria entubado pois não estava conseguindo respirar, disse que ficaria duas ou três semanas assim e depois voltaria(…) Logo que foi entubado teve uma falência da função renal, o que fez com que ele tivesse que fazer uma diálise nos dias de UTI. Até que 11 dias depois, falaram que o pulmão tinha melhorado e iam começar a tirar a sedação para ele voltar. Os médicos falavam que ele estava muito agitado e, então, no dia 06 de abri, ele teve uma parada cardíaca. Ficou 30 minutos sendo reanimado até que voltou. Mas no dia 7, às 3 horas da manhã, ele teve outra parada e não resistiu.
Que lembrança ficou do seu pai?
A alegria, o amor com que cuidava da sua família, a parceria que tinha com os amigos e o zelo pelo seu sítio que ele tanto amava ainda vivem em nós, em cada um que teve a sorte de conviver com ele. Ele deixou um legado de viver a vida de maneira alegre, sendo uma pessoa que sempre será lembrada por seu sorriso e pelo gosto de reunir as pessoas para multiplicar boas energias. E tenho certeza que ele segue nessa missão no outro plano. Também nos ensinou muito sobre seguir em frente apesar das dificuldades e isso que estamos fazendo nesses tempos tão difíceis.
Que mensagem você deixaria para os colegas Oficiais de Justiça do seu pai?
Devemos valorizar a vida e nos proteger como podemos, pois a doença está entre nós. Como não há tratamento ou vacina que garantam que conseguiremos passar por ela sem sequelas ou até mesmo vivos, pois nem um atendimento médico nos garante isso. Devemos cuidar dos nossos entes queridos e da população, que corre mais risco ao contrair essa doença. Não devemos subestimar essa doença, pois até mesmo uma pessoa forte e saudável como meu pai não resistiu a ela.